“Os objetos nos falam através de seus caracteres fisionômicos. – Kurt Koffka citado por Mário Pedrosa em “arte/forma e personalidade.
Qual a reação que uma obra de arte produz em quem a vê, seja a escultura, a arquitetura, a pintura, a música, a dança, a literatura, a poesia, o teatro, o cinema, a fotografia? Depende dos conhecimentos que a pessoa possui, de seu repertório cultural. Quanto maior o repertório melhor a possibilidade que se tem de compreender e a analisar uma obra. Este conhecimento faz a pessoa sair do simplismo da resposta de gostar ou não gostar. O artista, além da inspiração, tem uma intenção quando da criação da sua obra. Esta transmite aquilo que o criador pensou e executou. E cada pessoa a vê da sua maneira. Existe um intercâmbio, por assim dizer, entre a obra do artista e o repertório do receptor.
Porém para outro artista que domine uma arte diferente, seja ela qual for, pode ser um caminho para a sua interpretação e a posterior criação de uma outra obra. De todas as artes a escultura e a arquitetura são as que melhor se prestam para uma reinterpretação por meio da arte fotográfica. A pintura, a tela pintada, tem 3 dimensões. Mas só consideramos duas, a altura e a largura, pois a profundidade é desprezível. Essa profundidade, mínima, só poderia ser trabalhada com o recurso de uma macro fotografia. A se chegar a um detalhe que se aproximaria da fotografia através de um microscópio. E mesmo que a pintura esteja emoldurada seria preciso muita imaginação e esforço para se conseguir um trabalho digno de nota. Talvez alguém possa se habilitar.
Mas é na arquitetura e na escultura que o fotógrafo pode, com o seu olhar, criar outra obra a partir de outra. E aí, para o outro artista visual há, em princípio, duas maneiras. A primeira seria a encomenda de fotografias para a divulgação de seu trabalho. É a fotografia de cunho publicitário. Em todo objeto de três dimensões existe um ângulo de visão que o define melhor. Seja uma escultura criada pela imaginação do artista ou um produto comercial, há sempre um lado mais favorável. Para quem sabe ver é a forma do objeto que vai determinar o comprimento focal da objetiva, a altura, a distância em que a câmera deverá ser posicionada. E no estúdio o estudo da iluminação mais favorável; e em cena externa o exame, da melhor hora do dia com ou sem a ajuda de outra fonte luminosa.
Ao contrário da fotografia comercial o fotógrafo artista tem a liberdade de criar, através de sua sensibilidade e repertório, a partir da obra, escultura ou arquitetura criada pelo artista. De um criador para outro criador. A transformação, ou melhor, a interpretação de uma obra por outra. Registro reinventado. Outra escolha de ângulo, de comprimento focal da objetiva, da iluminação, do fundo (background) como suporte criativo. Agora não somente a obra em fundo neutro. O fundo a fazer uma composição e a interagir com ela.
Faço mais uma citação, tirada do livro de Mário Pedrosa “arte/forma e personalidade”, de Naum Gabo (1890-1977), Sculpture: “Carving and Constuction in Space”:
“As formas agem, as formas influenciam nossa psique, as formas são acontecimentos e coisas. Nossa percepção das formas é inseparável de nossa percepção da existência mesma. (…) Nossas emoções constituem uma forma a verdadeira manifestação desse conteúdo.
Inventar, recriar, a partir de uma arte e a transformar em outra.
Dico Kremer junho/2016