Elizabeth Titton. Foto: Dico Kremer

Escultora abre as portas de sua nova galeria, no São Francisco, onde mantém parte do repertório artístico que construiu – em argila, bronze e aço – ao longo de quase quatro décadas

 

Telefono para a escultora Elizabeth Titton, no intuito de agendar uma entrevista. Ela demora a atender. Rindo, conta que estava a filmar seu basset hound tentando caçar pardais e sabiás no quintal.

A convivência com pássaros, cães, corujas e um bosque viçoso nos fundos de sua casa-ateliê, no bairro do São Lourenço, inspirou a artista a criar um conjunto muito particular de fauna e flora. São espécies míticas, lúdicas, minimalistas e, ao contrário das naturais, eternas, porque moldadas em metal. Mas a relação de Titton com a natureza vem de longe e tem raízes na infância, quando brincava com os irmãos no quintal da avó, enfiando finos caules de plantas nos buracos das formigas. “Passávamos horas vivenciando aquilo, conhecíamos detalhadamente a forma da grama, dos bichos”, lembra a artista, cuja primeira gravura em metal retratava as sementes de abacate que haviam germinado na janela da cozinha de casa.

Elizabeth Titton. Foto: Dico Kremer

Ao longo das últimas décadas, Elizabeth Titton vem experimentando as mais variadas técnicas e matérias-primas para construir uma obra inventiva, sensível e, ao mesmo tempo, contundente. Das litogravuras e máscaras em bronze fundido, passou para cerâmicas, esculturas em alumínio e peças em madeira, até chegar às árvores de aço cortado a laser que marcam seu trabalho desde a coleção In Natura, apresentada pela primeira vez em 2007, no Museu Oscar Niemeyer.

Hoje, as espécies vegetais, aves e frutos criados por Elizabeth Titton são transformados também em peças de design, comercializadas em lojas espalhadas pelo Brasil. “A função do design é utilitária, pois aquele objeto vai participar do dia a dia das pessoas, mas isso não tira sua importância estética. Desde que o conceito de peça única foi superado com o surgimento da fotografia, os valores artísticos mudaram de lugar. Aqui, o fundamental não é o processo e a técnica em si, mas o desenho, a forma que originam”, opina.“Aos poucos, fui simplificando as formas e o volume das peças, partindo da ideia da tridimensionalidade para a chapa de aço bidimensional”, conta ela, que buscou no método industrial um jeito de democratizar seu trabalho, no sentido de torná-lo mais acessível. “O corte a laser permite uma tiragem maior, o que diminui seu custo comercial, mas jamais seu valor artístico”, defende. Já o processo de enferrujamento das obras, feito por sua assistente Marta Maria da Silva, segue artesanal, à base de muito sol, água, sal e vinagre.

Há cerca de dois meses, parte deste numeroso acervo pode ser visitado na galeria que a escultora inaugurou, no bairro São Francisco. A proposta do espaço é compartilhar um vinho, um café e alguns dedos de prosa com os interessados em adquirir seu trabalho, enquanto estes folheiam os catálogos com as obras disponíveis – algumas, em tiragem limitada, já se esgotaram. No local, também há peças à venda – entre esculturas e objetos de design –, mas somente itens exclusivos, para não concorrer com outros, também de sua lavra, comercializados em outros espaços da cidade.

Linhas e máscaras

Embora filha de pais cultos, interessados em artes plásticas e donos de uma vasta biblioteca, a história de Elizabeth Titton nas artes tem início apenas em meados da década de 1970, e se deu meio por acaso. Trabalhando como administradora da Casa de Saúde São Francisco, ela tinha quase trinta anos quando se inscreveu em um curso de férias do Centro de Criatividade de Curitiba, no ateliê de gravura então coordenado por Fernando Calderari. Seis meses depois, seria aprovada no vestibular da Escola de Música e Belas Artes do Paraná – onde viria a lecionar escultura, de 1990 a 2006. No segundo ano da graduação, Elizabeth já expunha trabalhos na V Bienal Internacional da Pequena Escultura, em Budapeste. Desde então, suas criações não pararam de circular.

Quando moldou suas primeiras esculturas, no Centro de Criatividade, estas memórias de infância vieram à tona. “As coisas já estão dentro de você, mas é preciso ter a oportunidade de colocar a mão no barro para descobri-las”, sentencia.Porém, o gosto pela expressão artística se deu bem antes, aos oito anos, quando frequentava a escolinha de arte do Colégio Estadual do Paraná. Foi lá que Elizabeth viu pela primeira vez uma máscara africana de argila e, imediatamente, pensou: um dia ainda vou fazer isso. Aos doze, folheando um exemplar da revista O Cruzeiro, se deparou com retratos a carvão que ilustravam uma reportagem sobre os escândalos do Caso Profumo e, maravilhada com o traço, pôs-se a copiar os retratos. O pai, achando aquilo uma beleza, investiu em materiais apropriados e incentivou a jovem artista a continuar. “Nunca mais toquei naqueles grafites. Não era que eu quisesse desenhar, eu queria apenas fazer aquele desenho. Para mim, aqueles rostos eram como uma máscara”, lembra.

Após a fase das máscaras, Elizabeth foi em busca de referências visuais e encontrou nos mitos indígenas do Alto Xingu uma forma de representação que dialogava com seus interesses estéticos. “Quando vejo as pinturas corporais xinguenses, me reconheço na linha simples, no grafismo do risco. Não sou uma pessoa de sombras e semitons. Não noto as cores, nem me interesso por detalhes e ornamentos. Meu trabalho é o essencial, a pura linha, o traço bruto – que, assim como a nossa assinatura, é único”, assinala.

Para Titton, o ato da criação é marcado por dois movimentos contrários: aquilo que se deseja criar – que é livre – e a técnica para fazê-lo – que é limitada, devido à interferência do material com que se trabalha. A obra, portanto, nasce desse (des)encontro. Elizabeth defende que é preciso usar a técnica e os materiais de forma adequada para alcançar melhores resultados, mas, antes de tudo, é preciso saber enxergar.

Autointulada uma fazedora – “sempre fiz coisas: dar aulas, estudar, trabalhar, cuidar dos filhos” –, Titton não se dedica a conceitualizar sua produção, delegando o ofício reflexivo aos críticos e curadores. “O inconsciente tem o poder de passar pelas mãos do escultor. Há coisas que estão em você sem que você saiba ou entenda, mas saem na argila, no papel. Não sei dizer se o que faço é arte. Esta nem é uma preocupação minha, eu simplesmente preciso fazer”, conclui.

 

Educação pela arte

A poucas quadras da nova galeria de Elizabeth Titton fica a antiga sede do ateliê Pró-Criar, projeto de educação pela arte fundado por ela em 1989 – do qual esta, que aqui escreve, chegou a participar como pupila.

 

Em sua opinião, adquirir domínio técnico é tão importante para um artista quanto desenvolver e ampliar suas subjetividades. “É preciso saber desenhar as coisas tal como elas são antes de se expressar livremente. O problema da ideia de artista espontâneo, que joga tinta na parede, é fazer isso por não saber se expressar de outra forma”, critica Titton, que lamenta a falta de investimentos em educação no Brasil e percebe, hoje, certo endeusamento de tudo o que é popular, banal e desprovido de valor artístico-cultural.

Estruturados na forma de ateliês múltiplos de curta duração, os cursos eram voltados para crianças e incluíam aulas de teatro, tecelagem, gravura e, é claro, de escultura. “A educação pela arte não tem a função de transformar as pessoas em artistas, mas de sensibilizá-las para as coisas e contribuir para que leiam o mundo de forma mais plural. Ao apresentar oportunidades variadas para uma criança, por exemplo, ela tem a chance de encontrar o que de fato lhe encanta, saber o que sai das suas mãos com maior facilidade. Tudo a que nos expomos nos transforma e pode, um dia, vir a florescer”, acredita Elizabeth.

Elizabeth também chama atenção para o fato de iniciativas artísticas importantes terem se perdido, como as extintas Mostra do Desenho Brasileiro e Mostra da Gravura da Cidade de Curitiba, que movimentavam a cena artística da capital em décadas passadas. “Os salões e as mostras, além de fomentar a multiplicidade e enriquecer o olhar do público, contribuíam para formar novos acervos”, ressalta Titton, que dirigiu o Museu de Arte Contemporânea do Paraná de 1984 a 1987.

“Como chegaremos a algum lugar se não estamos sendo expostos à ética, à estética?”, pergunta a escultora, para si, tentando fazer sua voz ecoar para além das paredes dos museus e galerias.

 

Um passeio pela floresta mítica de Elizabeth Titton

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